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Podstrony

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Almeida Garrett
nos braços da inocente que lhos abria num santo êxtase do mais
apaixonado amor; no segundo, tremeu e teve horror da sua felicidade.
 Joana  exclamou ele  Joana querida, sabes tu se eu mereço...
Sabes tu se deves?...
 Sei. Desde que me entendo, não pensei noutra coisa; desde que
daqui foste, comecei a entender o que pensava... disse-o à minha avó, e
ela...
 E ela?..
 Ela abençoou-me, chamou-me a sua querida filha, abraçou-me,
beijou-me, e disse-me que aquela era a primeira hora de felicidade e de
alegria que há muitos anos tinha tido.
Carlos não respondeu nada e olhou para Joaninha com uma indizível
expressão de afecto e de tristeza. Os raios de alegria que resplandeciam
naquele semblante  agora belo de toda a beleza com que um verdadeiro
amor ilumina as mais desgraciosas feições  os raios dessa alegria
começaram a amortecer, a apagar-se. A lúcida transparência daqueles
olhos verdes turvou-se: nem a clara luz da água-marinha, nem o brilho
fundo da esmeralda resplandecia já neles; tinham o lustro baço e morto, o
polido mate e silicioso de uma dessas pedras sem água nem brilho que a
arte antiga engastava nos colares de suas estátuas.
 Adeus, Joana!  disse Carlos perturbado e confuso.
 Adeus, Carlos!  respondeu ela maquinalmente.
 Até depois de amanhã, Joana.
 Pois sim.
 Depois de amanhã te direi...
 Não digas.
 Por quê?
 Porque é escusado: já sei tudo.
 Sabes!
 Sei.
 O quê?
 O que tu não tens ânimo para me dizer, Carlos: mas que o meu
coração adivinhou. Tu não me amas, Carlos.
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Viagens na Minha Terra
 Não te amo! eu!... Santo Deus, eu não a amo....
 Não. Tu amas outra mulher.
 Eu! Joana, oh! se tu soubesses...
 Sei tudo.
 Não sabes.
 Sei; amas outra mulher, outra mulher que te ama, que tu não
podes, que tu não deves abandonar, e que eu...
 Tu?
 Eu sei que é bela, prendada, cheia de graças e de encantos,
porque... porque tu, meu Carlos, porque o teu amor não era para se dar
por menos.
 Joana, Joaninha!
 Não digas nada, não me digas nada hoje... hoje sobretudo, não
me digas nada. Amanhã...
 Amanhã é sexta-feira.
 Inda bem! Terei mais tempo para reflectir, para considerar antes
de tornar a ver-te. Adeus, Carlos!
 Uma palavra só, Joana. Cuidas que sou capaz de te enganar?
 Não; estou certa que não.
 Até amanhã... até depois de amanhã.
 Adeus!
Abraçaram-se, e desta vez froixamente; beijaram-se de um ósculo
tímido e recatado... os beiços de ambos estavam frios, as mãos trémulas;
e o coração comprimido batia, batia-lhes tão forte que se ouvia.
Retirou-se cada um por seu lado. A noite estava pura e serena como
na véspera, as estrelas luziam no céu azul com o mesmo brilho; o silêncio,
a majestade, a beleza toda da natureza era a mesma... só eles eram
outros... outros, tão outros e diferentes do que foram!
Tinham-se dado cuidadosamente as providências; ambos chegaram,
sem nenhum acidente, ao seu destino.
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Almeida Garrett
CAPÍTULO XXVI
Modo de ler os autores antigos, e os modernos também.  Horácio da Sacravia. 
Duarte Nunes iconoclasta da nosso história.  A polícia e os barcos de vapor.  Os
vândalos do feliz sistema que nos rege. Shakespeare lido em Inglaterra a um bom
fogo, com um copo de old-sack sobre a banca. - Sir John Falstaff se foi maior homem que
Sancho Pança? Grande e imponente descoberta arqueológica sobre S. Tiago, S. Jorge
e Sir John Falstaff.  Prova-se a vinda deste último a Portugal.  O entusiasta britânico
no túmulo de Heloísa e Abelardo no Père-Lachaise. Bentham e Camões.  Chega o
Autor à sua janela, e pasmosa miragem poética produzida por umas oitavas dos
Lusíadas.  De como enfim prosseguem estas viagens para Santarém, e que feito será
de Joaninha.
Se eu for algum dia a Roma, hei de entrar na cidade eterna com o
meu Tito Lívio e o meu Tácito nas algibeiras do meu paletó de viagem.
Ali, sentado naquelas rumas imortais, sei que hei de entender melhor a
sua história, que o texto dos grandes escritores se me há-de ilustrar com
os monumentos de arte que os viram escrever, e que uns recordam,
outros presenciaram os feitos memoráveis, o progresso e a decadência
daquela civilização pasmosa.
E Juvenal e Horácio? o meu Horácio, o meu velho e fiel amigo
Horácio!... Deve Ser um prazer régio ir lendo pela Sacravia fora aquela
deliciosa sátira, creio que a nona do liv. I,
Ibam forte sacra via, sicut meus est mos
Nescio quid meditans nugarum...
Deve ser maior prazer ainda, muito maior do que beijar o pé ao Papa.
Parece-me a mim; mas como eu nunca fui a Roma...
E não é preciso. Pegue qualquer na bela Crónica del-rei D. Fer-
nando, a que Duarte Nunes menos estragou...
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Viagens na Minha Terra
O Duarte Nunes foi um reformador iconoclasta das nossas crónicas
antigas, truncou tocas as imagens, raspou toda a poesia daquelas vene-
randas e deliciosas Sagas portuguesas... Em ponto histórico pouco mais
eram do que Sagas, verdade seja, mas, como tais, lindas. E o Duarte
Nunes, que era um pobre gramaticão sem gosto nem graça, foi-se às
filigranas e arrendados de finíssimo lavor gótico daqueles monumentos,
quebrou-lhos; ficaram só os traços históricos que eram muito pouca e
muito incerta coisa: e cuidou que tinha arranjado uma história, tendo
apenas destruído um poema. Ficamos sem Niebelungen14, podendo-o ter,
e não obtivemos história porque se não podia obter assim.
Pois digo: pegue qualquer na bela Crónica del rei D. Fernando,
obedeça á lei concorrendo com o seu cruzado-novo para o aumento e
glória da benemérita companhia que tem o exclusivo desses caranguejos
de vapor que andam e desandam no rio, entre num dos referidos ca-
que
ranguejos, em , além da porcaria e mau cheiro, não há perigo nenhum
senão o de rebentar toda aquela câmara óptica que anda por arames, e
que em qualquer pais civilizado, onde a polícia fizesse alguma coisa mais
do que imaginar conspirações, há muito estaria condenada a ir ali
caranguejar para as Lamas15 á sua vontade. Mas, enfim, cá não há doutros
nem haverá tão cedo, graças ao muito que agora, dizem, que se cuida dos
interesses materiais do pais: e portanto tome o seu lugar, passe o mesmo
que eu passei; chegue-me a Santarém, descanse e ponha-se-me a ler a
Crónica: verá se não é outra coisa, verá se diante daquelas preciosas
relíquias, ainda mutiladas, deformadas como elas estão por tantos e tão
sucessivos bárbaros, estragadas enfim pelos piores e mais vândalos de
todos os vândalos, as autoridades administrativas e municipais do feliz
sistema quê nos rege, ainda assim mesmo não vê erguer-se diante de
seus olhos os homens, as cenas dos tempos que foram; se não ouve falar
as pedras, bradar as inscrições, levantar-se as estátuas dos túmulos; e
reviver-lhe a pintura toda, reverdecer-lhe toda a poesia daquelas idades
maravilhosas!
Tenho-o experimentado muitas vezes: é infalível. Nunca tinha
entendido Shakespeare enquanto o não li em Warwick ao pé do Avon, [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]

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